Bigode, obviamente por causa de seu farfalhudo pedaço de cabelo acima da boca. Cadela, por causa de sua afeição pelas fêmeas da espécie canina. Ou talvez por sua esposa parecer um buldogue, dado o tamanho descomunal de suas bochechas. Ou ainda, dado o fato de o sujeito, assim como uma cadela, latir, latir, e no fim, murchar as orelhas quando enfrenta um cachorro maior do que ele. Não sei ao certo o motivo. Sei que é o Cadela, ou o Bigode. E por isso, perdoem-me, mas vou contar a história usando os dois nomes.
Ah, me lembro do primeiro dia em que falei com o Cadela. Era uma noite de domingo, e eu, aos meus tenros 9 anos, estava em uma reunião de família, porém, como nunca gostei muito de festividades, ficava sentado no sofá sozinho enquanto meus parentes festejavam o que quer que estivessem festejando, não me lembro no momento o que seria. Então eu avistei um casal parado na frente do portão da nossa casa. Era o tal do vizinho novo, o Bigode, que estava ali parado com sua esposa de formas arredondadas e bochechas grandes e murchas. Eles estavam ali porque tinham um pedido a fazer. É que tinham recém se mudado, e não havia água na sua residência. Então pediam se, por favor, poderíamos nós emprestá-los um balde d'água, para que pudessem dar banho nos filhos.
Claro, foi o que minha mãe disse. Ninguém iria, nem deveria se negar a dar água a outra pessoa. Então, demos o balde d'água, eles agradeceram e saíram felizes. Minha mãe retornou às festividades, e eu retornei ao sofá onde outrora estava.
Uma semana depois, estávamos eu e meus amigos, crianças despreocupadas, jogando bola na frente da minha casa. A disputa era ferrenha e eu, tomado pela emoção da partida, desferi um potente chute, o mais potente que algum garoto de 9 anos poderia desferir, ou talvez devido à emoção, ainda mais potente do que um mero menino pode fazer. E acertou em cheio os lábios do Cadela, que estava ali na frente com uma enxada, fazendo o que quer que alguem faz com uma enxada em frente à sua casa. Ele me olhou com uma expressão de verdadeira maldade, um olhar de psicopata prestes a esquartejar sua vítima, fazê-la em pedacinhos bem pequeninos para depois adcioná-la à sopa, deve ser muito parecido. Eu, em verdadeiro terror, pedi mil desculpas, e disse que não voltaria a acontecer denovo, e me retirei do seu pátio, bola em mãos.
O chute não fora proposital, é óbvio. Para que eu iria chutar uma bola tão forte na cara de alguém propositalmente? Mas o Bigode achou que assim tinha sido, eu acho. Pois logo após este fato, passou a tomar uma medida muito ranzinza, a de não devolver mais as bolas que caíam em sua morada. Daí para frente, ele e o resto da vizinhança, toda composta por parentes e amigos meus e dos meus pais, tiveram várias discussões, brigas, e até casos de polícia. Mas estas são histórias para outros momentos.
O fato é que acabei nutrindo verdadeiro ódio pelo sujeito, o primeiro sujeito e um dos únicos três que eu realmente odeio. O segundo é o seu filho. O terceiro é o Gilberto Barros. O fato de eu estar escrevendo isto aqui é que corre à boca pequena aqui na vizinhança que o Cadela estaria recebendo uma ação de despejo. Não me surpreende. À moda Seu Madruga, ele nunca pagava os alugéis corretamente. Portanto, encaro isso como uma despedida à esse sujeito, que tanto atazanou a vida de tantas pessoas, e que certamente vai atazanar a vida de tantas outras, pois o Bigode tem um fetiche por arrumar confusões, já as arrumava em outros lugares. Mas uma coisa é certa.
Aquela bola que chutei em sua face bigoduda é a de que mais me orgulho hoje.
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